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quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

{VI} Romeu & Violeta - Triunfo (Parte 1)




– Até mais! – disse ao meu pai, Rafael, fechando a porta do arranhado Volkswagen GTI MK2 verde dele. Achei muita generosidade de sua parte se atrasar no trabalho para me trazer ao colégio hoje – porque eu estava atrasado e o colégio, pelo menos, era uma prioridade maior para ele. 
    O carro dele não era um dos últimos modelos que geralmente estacionavam na frente do colégio para descarregar e carregar alunos “bem de vida”. Não tinha condições financeiras de ter um conversível. É claro que não passávamos fome; Rafael e Carmen Patarra conseguiam o necessário e mais um pouco para nós. Eles cumpriam todas as minhas exigências de “adolescente simples”. Vestiam-me bem, me davam bons aparelhos eletrônicos – alguns até desnecessários, como o Play Station 2 que não uso mais – e compravam comida das melhores marcas, se é que me entende. Isso não significava que éramos da “classe média”, como são os dos carrões que mais pareciam naves-espaciais. 
    Passei pelo portão principal do colégio com minha habitual e pesada mochila nos ombros – por causa dos livros extras que eu sentia a necessidade de carregar para uma emergência qualquer. Estava um tanto frio, porque o sol ainda estava nascendo. Mas eu sabia que o dia seria quente
    O pessoal que entrava no colégio parecia decididamente preocupado tanto com a própria aparência quanto a dos outros. Eu sabia como se sentiam, porque isso era o tipo de coisa que se via em seriado adolescente na televisão: prontos para serem avaliados, e assim, se ajustar devidamente em uma das várias posições “sociais colegial”. Eu não ligava para isso. Eu era o tipo de garoto transparente, que apenas observava, e que aparecia quando precisava aparecer, ou quando ocorria algum... deslize patético em público. Ninguém se importava com minha jeans com casuais rasgos customizados, minhas camisetas largas com estampa de bandas de rock e com meu All Star surrado – por preferência. Eu gostava disso. Era bom para mim e para meus (poucos) amigos. 
    Hoje eu havia decidido não falar com Violeta. Todas as vezes que pretendia fazer isso, meus planos eram frustrados por coisas fúteis da minha rotina no colégio. Mas não era uma derrota, na verdade, era uma estratégia. As coisas aconteceriam normalmente e na oportunidade certa, eu atacaria. Parecia que eu estava brincando com o destino, desafiando-o e era ridículo. Mas foi o único meio que encontrei. Era isso ou sair correndo para a sala dela pra tentar bater um papo e fazer papel de louco ou idiota. Eu não era um idiota, louco talvez. 
    Caminhei lentamente até um dos bancos largos do pátio coberto, sem expressão alguma em meu rosto e sentei-me. Passei a mão no meu preto e volumoso cabelo cacheado – como se fosse dar um pequeno ajuste no penteado que havia trabalhado durante horas, um costume idiota – e fiquei vigiando o portão principal, esperando Christian dar as caras. 
    Ele andava muito estranho nos últimos dias. Estava mais que obcecado pelo basquete. No dia anterior, depois do intervalo eu não o encontrei. Não o vi nas aulas nem na saída do colégio. Christian não tinha uma das melhores notas da turma, porém não era de sua natureza faltar às aulas. O que será que estava acontecendo? 
    Confesso que nos últimos dias eu tinha sido meio egoísta. Quando não estava estudando, estava pensando em Violeta e esquecendo-me do meu amigo. Tratando-o como um adereço antigo em minha vida. Tudo bem, somos garotos, mas entendemos o valor da amizade, por mais másculos e frios que sejamos. Christian era meu amigo de infância. Nossos pais se conheciam e era o tipo de adultos que fazem churrascos juntos no fim de semana. Rafael e o pai dele se conheceram no trabalho antes mesmo de nascermos. Os casais ficaram grávidos na mesma época e isso fez com que criassem laços de amizade. Não poderia ter acontecido o contrário, porque eles deviam falar no assunto o tempo todo durante o expediente. Depois que as crianças nasceram, os tais churrascos começaram acontecer. Éramos amigos até então. 
    A adolescência muda um pouco as coisas. Quero dizer, começamos a ser mais independente e criar gostos distintos. Ele preferiu o basquete e eu a biblioteca. Não que eu odiasse esporte, mas eu não tinha um corpo nem coordenação motora para praticar nenhum deles. Esse era um dos vários motivos pelo quais as pessoas me consideravam esquisito. Mas eu fazia atividades físicas, o que me fazia parecer saudável. Será que carregar livros de um lado para outro conta como um esporte? Uma coisa eu garanto, sedentário eu não era. 
    Christian entrou com suas duas mochilas – a dos livros e a do basquete, a menor – nos ombros. Fiquei feliz em vê-lo e em saber que estava bem. Pelo menos era o que parecia. Mas tudo isso desapareceu quando vi quem o acompanhava, conversando distraidamente com risadinhas ocasionais. Paulo. Um garoto detestável que eu tinha certeza que batia cartão para me atormentar no jardim de infância. Christian também o odiava, até entrar no time de basquete do qual Paulo era capitão. 
    Eu achava que a relação entre os dois se limitava nas linhas brancas que marcavam a quadra de basquete. Tinha uma exceção no vestiário, talvez. Nada muito íntimo. Bem, não a nada mais íntimo do que se trocar todos os dias na frente de seus colegas. Mas isso não queria dizer nada. Existiam mais outros jogadores para distraí-los um do outro. 
    Quando Christian e Paulo chegaram ao pátio, ambos seguiram para direções diferentes, depois de uma breve despedida de “até daqui a pouco”. Christian me avistou sem querer e seguiu em minha direção. A alegria que estava em seu rosto quando atravessou o portão havia sumido. Estava sério, como se o treinador tivesse acabado de chamar sua atenção. 
    – Como foi ontem com a garota? – disse ele em guisa de bom dia, sentando do meu lado, um pouco mais distante do que o limite de espaço entre homens permitia. 
    Ele parecia saber que deu tudo errado com meu plano de falar Violeta no dia anterior. 
    – Como é? – perguntei, tentando parecer atônito. Rapidamente fiquei tão sério quanto ele. – Onde você esteve ontem depois do intervalo? Fiquei te esperando para a aula de química, o que me fez chegar atrasado e perder a chamada. 
    – Uau!, uma falta fará você morrer – zombou ele, sem alterar a expressão do rosto. – Tive que resolver um assunto com a galera do basquete. 
    Um assunto? Christian não era muito ligado ao time de basquete quando não estava treinando ou jogando. Era como ir ao banheiro, você faz o tem que fazer e sai. Só volta quando realmente precisa. Eu comecei a sentir uma leve pontada de culpa. 
    – O que foram resolver? – disse com veemência na última palavra. Não houve resposta, ele tentava parecer distraído com o movimento ao nosso redor. Então eu disse um pouco exasperado: – Eu não consegui falar com Violeta. Parece que isso é o tipo de coisa que não posso incluir na minha rotina, nem como um evento. 
    – É mesmo? – disse Christian com sarcasmo e olhou para mim. Havia uma indiferença palpável em seus olhos castanhos escuros. – Você anda tão... 
    – Romeu Patarra! 
    Ele começou a dizer alguma coisa com um tom de sermão, mas foi interrompido pela Sra. Rodrigues, que me chamou das primícias do corredor principal. Uma de suas mãos segurava uma pilha considerável de papéis e a outra ajeitava seu cabelo ondulado e grosseiramente pintado de rubi para encobrir a cor branca que a idade lhe proporcionara. Eu olhei para Christian com a expressão de “já volto, a velha está me chamando”, coloquei minha mochila nos ombros e fui até ela, deixando meu melhor amigo para trás – injustamente irritado. Não podia fazer nada, pois eu não costumava desobedecer as ordens de um professor. 
    Atravessei o pátio desviando das pessoas em transitividade até a Sra. Rodrigues. Ela parecia impaciente. Eu não estava nada satisfeito em vê-la. Teria as primeiras duas aulas com ela e o tempo com ela em sala de aula já era excessivo. Imaginei que ela me chamaria para ajudá-la a corrigir provas. História não era uma das minhas matérias favoritas. Parei na frente dela, esperando minha sentença. 
    – Bom dia, Romeu. – cumprimentou ela com sua voz carcomida. Sua mão livre agora levava os óculos presos por um cordão no pescoço até seu rosto. Pergunte-me quantos quilos pesavam cada lente daquela, como toda vez fazia quando a via. 
    – Bom di... – comecei, mas ela se apressou: 
    – Preciso de alguns livros de História que estão perdidos na biblioteca para a terceira aula. – ela não era uma mulher gorda, mas velha. Enquanto articulava sua mandíbula, a papa enrugada que pendia de seu queixo se agitava comicamente. – Preciso de vinte e cinco destes: – ela tirou um pedaço de papel que foi brutamente rasgado do alto de sua pilha branca. Nele estava escrito com uma caligrafia tremida: Um Novo Olhar: História, Vol. 2. – Você ainda é o ajudante do bibliotecário Edmundo, não é? 
    Sorte a dela que eu ainda era o ajudante, pensei, porque se não fosse mais, xingaria-a pela dúvida, depois de pedir o “favor”. Velha bajuladora do Edmundo. 
    – Sou – respondi inocente diante dos meus pensamentos malvados. Agarrei o papel com timidez e coloquei-o no bolso de trás da minha calça jeans. – Mas por que não pede a ele? Pelo que eu sei, tenho aula daqui a pouco e é com a senhora. – rezei para que ela relevasse o sarcasmo involuntário na minha voz. 
     – Por isso mesmo, querido. Você estará dispensado das duas aulas para fazer esse servicinho para mim. – Afinal, ela não era tão caduca quanto as pessoas diziam. – Você não estará perdendo nada importante, porque você e um bom aluno e ajudante do bibliotecário. Que sorte! 
    Que sorte!, repeti a frase ambígua em pensamento. Eu não sabia se a sorte era minha, por ser dispensado de duas aulas tediosas ou por ela ter encontrado um empregado disponível. Então, antes que eu fizesse algum movimento, ela respondeu minha pergunta, mostrando mais uma vez que de ainda tinha um bom raciocínio. 
    – Não mando Edmundo porque ele é e está ocupado demais com assuntos mais importantes da biblioteca. 
    Pobre Edmundo, pensei, tão ocupado com as garotas excêntricas e aparvalhadas que parecem gostar tanto de livros. Já havia passado da hora de eu aceitar que ele era o queridinho do colégio, porque era “O Bibliotecário”. 
     – Tudo bem, eu procuro e os livros e os levo até você antes do intervalo – eu disse. 
    – Sei que fará. – disse ela, em tom de ordem e certeza. Eu não era obrigado a fazer o que ela podia, e tinha o direito de não fazer. Será que ela não entendia que as épocas eram outras? Mas como sempre, eu murcharia as orelhas e faria. 
    O sinal soou audivelmente como de costume acima de nossas cabeças. 
    – Te vejo às nove e meia – disse ela enquanto mergulhava no mar de alunos que se estendia pelo corredor principal. – Os livros serão de importante uso para... 
    A voz dela foi abafada pelo bafafá de alunos. Virei-me para pátio para ver se Christian ainda estava sentado, talvez me esperando. Depois de erguer-me nas pontas dos pés, pude ver apenas o vazio do largo banco de madeira que estávamos sentados. Tomei coragem e adentrei no corredor em direção ao meu local de trabalho. 
    Encontrei a biblioteca quase totalmente vazia. De pessoas, claro. Ela continuava a abrigar livros em excesso, aponto de não caber nas prateleiras, formando pilhas e pilhas no chão. Isso era o tipo de coisa que não facilitava o trabalho de um bibliotecário, porque não há sessões para os livros que estavam jogados no chão. Apenas Edmundo estava lá, atrás do balcão de madeira polida, absorto em seu Samsung Galaxy 5. Contornei o balcão e coloquei minha mochila no canto habitual. 
    – E aí? – eu disse, sentando em um banco de três pernas do balconista, próximo a Edmundo. 
    – Como vai? – disse Edmundo, sem tirar os olhos do aparelho celular (e quase computador). 
    A família de Edmundo era do tipo das dos carros que pareciam naves espaciais. Ele vivia reclamando do velho computador da biblioteca e de sua lentidão. Perguntava-me por que ele não doava um novo para escola, afinal... 
    – Bem – respondi, tentando parecer distraído. – Tudo legal com você? 
    Ele olhou para mim. Eu – e nem ninguém – podia negar que Edmundo era um cara... bem, um cara bonito. Geralmente os homens não admitem isso da boca para fora, mas reconhecem quando outro é bonito. Sentem inveja ou admiram como as mulheres costumam fazer. A diferença é que guardamos isso para nós até a morte. Edmundo era o tipo de garoto que quase toda menina queria ter como namorado e como quase todo garoto feio – como eu era – queria ser. 
    – Tudo legal – ele afirmou, enquanto guardava o celular no bolso da calça jeans. Seus olhos de cor mel meio-esverdeados me fitavam com estranha apreensão. Eu desviei os meus para a superfície rutilante do balcão, grotescamente constrangido. – O que está fazendo aqui tão cedo? 
     – Eu tenho um “ servicinho” para fazer – respondi revirando os olhos. Minha voz saiu mais firme do que eu pretendia que saísse. – À mando as Sr. Rodrigues. 
     – Tenho certeza que é sobre alguns livros... 
   – Ah, não me diga! – interrompi exasperado. Agora que percebi o quanto aquele serviço havia me irritado. Edmundo ficou na defensiva. 
    – Calma aí, cara – ele começou, afastando os cabelos castanho-claros dos olhos. – Sobre os livros de história para a turma do primeiro colegial – completou com veemência que eu havia entrecortado. 
    As palavras “primeiro colegial” chamaram minha atenção. Violeta era do primeiro colegial ou ano... Como eu era bobo! Agitava-me por causa de qualquer coisa que tivesse ligação com Violeta. Perguntei-me com eloquência se estava apaixonado ou obcecado. 
    – É. Isso mesmo – interrompi meus devaneios sobre Violeta. Lembrei-me que Edmundo era “o culpado”, porque supostamente ele era “o ocupado”. Comecei a me irritar com essa mania de adjetivá-lo. Era consequência da raiva por, inconscientemente, sentir inveja dele. 
    – Boa sorte – desejou ele, com ironia patente na voz. Isso me irritou. 
    – Por que você não procurou os livros? – perguntei em tom de voz alto. 
    – Porque eu não faço a mínima ideia de onde estejam – ele respondeu quase imediatamente. 
    – Por isso que a tarefa é chamada de “procurar”, quer dizer que você tinha que procurar. 
    – Eu não poderia “procurar” porque a Sra. Rodrigues mandou você
    – Claro, com a desculpa de que você, supostamente, é muito ocupado. 
    – Mas eu sou – ele respondeu com veemência e ferocidade, só faltou bater a mão no peito como o King Kong. 
    – ‘Té parece! – retruquei com todo sarcasmo possível junto de um sorriso irônico. 
    Houve uma pausa mórbida e constrangedora. Edmundo estava realmente nervoso com o que eu disse. 
    – Ah! – quebrei o silêncio. – Me desculpe – disse ao meu “patrão”, como se esse negócio de ajudante fosse um trabalho remunerado e eu dependesse disso para viver. Eu queria ver Edmundo irritado pelo menos uma vez dentro daquela biblioteca, mas não queria ser o responsável por isso. 
    Outra pausa. 
    – Não se preocupe – disse ele com indiferença. Ficamos em silêncio por mais alguns segundos e então ele disse: – Romeu, na verdade, eu não estava ocupado... 
    – Eu já entendi, Edmundo. Não precisa se explicar – interrompi-o. – Tenho que procurar os livros... Acha que está na sessão de História? 
     – Não tenho certeza – ele respondeu distraído, contudo, pedante. 
    Eu deixei aquela área da biblioteca e segui até o outro extremo, atravessando um labirinto de estantes apinhadas de livros velhos. Naquele colégio não havia nenhum lugar tão rico quanto a biblioteca. Isso era bom para qualquer pessoa, menos para um bibliotecário. Parecia estranho pensar desta forma, mas era verdade. Nem todo bibliotecário é livresco. Edmundo e eu não éramos. Embora eu adorasse gibis de super-heróis. Depois de chegar à sessão de história, fiquei pensando no quanto fui grosseiro com Edmundo. Talvez ele fosse realmente ocupado. Com seu novo celular, é claro!, disse o “diabinho” de mim no meu pensamento. Ele realmente deve estar ocupado, ou há uma razão realmente importante para a Sra. Rodrigues ter incumbido você à tarefa, disse a voz persuasiva do meu eu “anjinho” na minha cabeça. Eu devia parar com isso, ou melhor, parar de assistir os desenhos animados da Walt Disney. 
    Peguei com cuidado o pedaço de papel no bolso de trás da minha jeans. Li o título do livro outra vez o memorizei. Estava na hora de iniciar a busca. 
    O “ servicinho” não parecia tão maçante quanto eu pensava que seria. Não que era legal enfiar a mão e a cara nos buracos mais empoeirados daquela biblioteca mofada, porém era uma grande aventura pelo “conhecimento”. Estava tudo separado por assunto e por ano. Percorri as prateleiras que indicavam os livros de História e as pilhas próximas. Pude ver livros didáticos vencidos, que em minha opinião, eram totalmente desnecessários para aquele lugar. Poderíamos usá-los para manter a fogueira nas festas Juninas. Apesar de estar impressionado com a velharia supérflua, eu não encontrei nenhum sinal dos tais livros. Reli o papel com o título umas três vezes, mesmo já tendo decorado. Eles não estavam em parte alguma. 
    Talvez a Sra. Rodrigues estivesse mesmo caducando. Os livros poderiam ser de sua época no colegial. Livros antigos tinham seu valor, porém talvez estes em especial, não existiam mais. Perguntava-me, medianamente desesperado, o que a Sra. Rodrigues diria ou faria quando eu dissesse que não encontrei os trais livros. 
    Passou-se o tempo da primeira aula, depois, quando atingia metade da segunda, eu desisti. Quando parei, notei que já estava na sessão de matemática. Decidi voltar para ao balcão e pedir ajuda ao Edmundo. Se ele estivesse disposto, é claro. Corri entre as estantes, limpando o leve suor do rosto com as mãos. Queria ter tomado um bom banho quando vi que estava lá, ao lado de Cristine, próximo do balcão, conversando com Edmundo. 
      Violeta. 
    – De quantos livros você precisa? – perguntou Edmundo a Violeta, ridiculamente prestativo como sempre. 
      – Apenas... três. – respondeu Violeta, com sua voz suave e feminina
     Ela usava jeans clara, o uniforme do colégio era justo e seus cabelos negros e ondulados caíam sobre os ombros e continuavam até as costas. Era tão linda, que eu me perguntava se era real. Sua pele clara e seu sorriso me tiravam o fôlego, literalmente. Eu não conseguia descrever o quanto era graciosa. Mas todos os meus sentimentos por ela não era apenas pela beleza, pois havia outras garotas bonitas no colégio e eu nunca me interessei. Era uma espécie de ímã que ela tinha, e que funcionava bem comigo. 
    – Para quem são os outros dois livros? – perguntou Cristine, com certa ironia na voz que deixava claro que só Violeta entendia. Então, antes que Violeta pudesse responder, ela notou minha presença. Exclamou com alegria exagerada: – Romeu! 
    Eu não havia perdido meus hábitos: fiquei constrangido como sempre. Por que Cristine tinha que tão espalhafatosa? Bem, por um lado, eu adorava esse seu jeitinho. Mas na frente de Violeta, era impossível agir novamente. Em um átimo, anotei em minha agenda psíquica que deveria conversar seriamente sobre isso com Cristine, em particular. Simultaneamente, encolhi os ombros e corei as bochechas. Esperei não estar tão vermelho quanto sentia que estava. 
    – Oi, Cris! – falei, torcendo para não sair inaudível. Fixei meus olhos em Cristine: continuava com seu costume de conjuntar arreios em suas vestes, como colares extravagantes e pulseiras com pingentes em forma de frutas. Seus cabelos cacheados como os meus estavam presos em um coque no alto da cabeça. Como ela conseguiu essa façanha?, perguntei em pensamento. Cabelo como o nosso não era uma coisa fácil de manusear. 
      – Para Mariana e Pedro – respondeu Violeta à Cristine, como se eu nunca tivesse aparecido lá. Ela ficou em silêncio por alguns segundos, como se esperasse alguém continuar o diálogo, e então disse com veemência: – Olá, Romeu. 
    Eu hesitei, então respondi com a voz trêmula: 
    – Violeta... Oi. 
    Olhei para seu rosto por alguns segundos e depois percorri para o de Edmundo. Estava com uma expressão desconfiada. Mas eu sabia. De alguma maneira, ele captou no ar o que eu sentia por Violeta. Talvez na minha voz houvesse algo que me entregasse que só outro garoto poderia reconhecer. Ou era pela forma que eu olhava para ela. Droga! 
    Eu não queria que Edmundo soubesse. Ele poderia zombar de mim por isso, ou conquistá-la por pirraça à mim. Sim, ele podia fazer isso, pois nenhuma garota o resistia. Eu via como Cristine o olhava e como ficava boba perto dele, assim como as outras garotas do colégio. Será que Violeta também não resistia aos encantos de Edmundo. Eu não conseguia notar, pois estava ocupado demais apreciando sua beleza. De certa maneira, odiava isso. 
      – Vou pegar os livros – disse Edmundo, com um tom obsequioso e incomum na voz. – Só um minuto. 
     Argh! 
    Eu não estava gostando disso. Sim, estava com ciúme, mesmo que nada tenha acontecido. Mas eu não podia segurá-lo, ele era o “homem femeeiro” do colégio. Ou não? Ele sumiu entre as prateleiras, com uma eficiência rara em nosso cotidiano. Eu olhei para Cristine, na esperança de que ela entendesse o que eu queria dizer. 
     – Bem... – começou ela, me deixando ciente de que havia entendido meu olhar. – Vou dar uma olhada na sessão da ficção. 
    Violeta e eu observamos Cristine caminhar rapidamente até se infiltrar no meio das altas estantes e desaparecer. 
    Ficamos em silêncio por alguns segundos, olhando para todos os lados, menos um para o outro. Estávamos sem graça com a situação. 
    Eu tinha que agir antes que Edmundo voltasse. Ele estragaria tudo, com seu charme que distraia qualquer garota. Cristine já não era mais um problema. Eu sabia que ela não voltaria até algo tivesse acontecido. Anotei em meu bloco de nota psíquico que estava devendo uma para ela. Ou até mais, se eu conseguisse alguma coisa com Violeta. 
    – Então... – comecei. As engrenagens do meu cérebro giravam à todo vapor para produzir algo que eu pudesse falar. – Como vai o clube de dança? 
    Ela olhou para mim. Estava séria e eu estava acionando alarme de emergência dentro da minha cabeça. 
    – Ah, está legal – respondeu ela, com gentileza. – Teremos uma apresentação no mês que vem. Dê uma olhada no mural, lá tem os horários do festival em um cartaz... Espere aí, como sabe que eu sou do clube de dança? 
    Droga, disse em pensamento. O que eu vou dizer? Hum... A verdade, incitei-me. 
    – Cristine comentou em uma conversa... 
    – Ah – Violeta deu um breve sorriso, e revirou os olhos. – Imaginei que ela tivesse te dito. 
    Respirei fundo, discretamente para ela não notar. Uma coragem súbita invadiu meu interior, drenando-se em meu peito.

(Continua...)

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