Eu me arrepio todo e respiro fundo. Ou tento, pois está muito difícil. A pouca luz vinda dos bastidores é consolo para meu nervosismo. Mesmo não vendo, sei que à minha frente estão as tradicionais cortinas vermelhas. Posso ouvir os murmúrios de excitação da plateia, e os passos de quem ainda não encontrou o seu lugar. Com certeza as luzes já se apagaram. Imagino que todos estejam olhando para as cortinas vermelhas esperando o início do espetáculo.
Eu tento controlar o nervosismo, mas está difícil. Tudo bem, eu ensaiei muito, decorei a letra, estou ciente das ações. Por que eu tinha que me apresentar logo no primeiro ato? Ah, é! Eu sou o protagonista, o que significa que apareço no maior número de atos possíveis; a história gira em torno de mim, assim como parece na vida real. Certo, em poucos segundos as cortinas serão abertas e logo aquele instrumental animado poderá ser ouvido, acompanhado por minha voz, claro.
Eu não posso errar, não errarei. E todas as vezes que errei sem saber e depois me arrependi? Será que pode ser comparado a um musical esperado que fracassou por causa de um pequeno erro? Agora eu tenho plena consciência dos meus atos, é diferente. Mas será que as pessoas ao meu redor esperavam tanto de mim tanto quanto a plateia espera um grande espetáculo? Acho que sim, pois as consequências foram ruins. Se eu errar hoje, além de perder meu papel, perderei minha credibilidade como artista, do qual lutei com muito esforço durante anos para tê-la. Não terei outra chance em nenhum grupo como este. Serei obrigado a trabalhar como garçom em uma lanchonete qualquer ou cantar em bares que, os clientes frequentes são quarentões solteiros.
Os erros que cometi na minha vida fora dos palcos não resultaram consequências tão graves como as possíveis, que me impedirão de prosseguir. Pude consertar alguns erros, confesso, outros apenas esqueci. Continuar e tentar outra vez foi a melhor opção; desviar dos caminhos que me levassem a decepcionar uma pessoa foi que escolhi muitas vezes.
Olhei para meu lado esquerdo, lá estava o produtor com a mão direita erguida e os dedos esticados sinalizando a contagem para o início do espetáculo.
Cinco, ele indicava os cinco segundos restantes.
Na maioria das vezes que planejei fazer algo novo, grandioso e maravilhoso, foi tudo estraçalhado e pisoteado pelas circunstâncias e por pessoas egoístas quando coloquei em prática.
Quatro.
Abaixei a cabeça e com os olhos semiabertos vi tudo ser destruído sem poder protestar. Oprimido e fracassado mais uma vez. Eu me calei.
Três.
Senti raiva de mim e de tudo que aconteceu. Procurei meu erro e minha fraqueza. Refleti no que poderia ter feito de melhor. Me questionei em relação as pessoas que me humilharam sem antecedentes. Permaneci calado.
Dois.
Eu me cansei. Sonhei, criei e planejei mais vez. Procurei não errar e não deixar meus pontos fracos à mostra, me preparei para resistir, dizer não e questionar quando não estivesse ao meu gosto. Nunca estive tão forte. Ainda calado.
Um.
A mão do produtor se fechou, as cortinas se abriram e uma forte luz se ascendeu sobre mim. A banda começou aquela musica instrumental que conheço bem; a plateia me olhava fixamente. Pessoas elegantes, moças com belos penteados. Meu compasso se aproximou, já era hora de mostrar tudo de melhor que tinha, e não ser oprimido pelo egoísmo, ódio e a inveja. Falei, cantei, gritei!
A plateia sorria, parecia satisfeita. Eu estava indo bem, senti, pois estava me sentindo bem. Estava me sobressaindo. Pude sentir alguns dos meus sonhos serem realizados, minhas forças crescendo. Minha voz estava firme, as palavras que saiam de minha boca tinham vida própria. Eu estava voando.
Tudo estava indo muito bem quando ouvi um ruído. Prossegui. O ruído se intensificou e eu tentei continuar. Acordei e desliguei o despertador que indicava que eram sete horas da manhã. Estava novamente em meu quarto, em minha cama, debaixo das cobertas. A luz do sol tentava atravessar a cortina da janela. Me levantei indignado por ter sido um sonho.
– Bom dia, Pequeno Sonhador! – Disse minha mãe entrando no quarto. Sentado na beira do colchão da cama, dei um aceno com a cabeça em cumprimento.
Tolo! Recompreendi que sonhar é isso: esperar e fazer o possível para que se torne realidade. Dividir alguns sonhos com pessoas que você goste; ter esperança. Antes sonhar do que viver esperando a felicidade da mais pura e plena realidade.